Daniel Ortega já foi um dos heróis míticos da esquerda mundial. Em 1979 ajudou a derrubar, como um dos líderes do movimento sandinista, a ditadura corrupta e sanguinária de Anastasio Somoza na Nicarágua. Quase quarenta anos depois, para constrangimento dessa mesma esquerda, ele comanda um governo sanguinário e corrupto.
Ortega elegeu-se presidente da Nicarágua em 1985, reelegeu-se em eleições suspeitas em 2006, 2011 e 2016. Só nos últimos três meses o governo sandinista é responsável pela morte de 351 pessoas e por centenas de desaparecidos entre os que se atreveram a protestar contra seu governo e suas políticas.
O paralelo com o regime de Somoza é inevitável e imensamente desconfortável para a esquerda que idealizou o sandinismo, inspirado no líder nacionalista Augusto Sandino (1985-1934), como uma espécie de redenção, que traria ao país da América Central tudo o que é bom, justo e pacífico.
Sem nenhuma surpresa, Ortega nega as acusações que pesam contra ele, que incluem, além da repressão homicida, corrupção e até a prática de feitiçaria e pedofilia (está última feita pela filha adotiva do casal Ortega) e afirma que as denúncias e os protestos são uma cortina de fumaça para malévolas intenções da direita, que quer tirá-lo do poder insuflada por obscuros e misteriosos agentes internacionais. Um discurso bastante familiar aos brasileiros.
Tal como os Somoza, Ortega transformou o governo da Nicarágua em um negócio familiar. A mulher, Rosaria Murillo, é a vice-presidente e comanda a comunicação. Os filhos do casal ocupam postos chaves. Os Ortega argumentam que a família é notavelmente vocacionada para a administração pública. Por isso existem tantos deles ocupando tal quantidade de altos cargos no governo.
Lula visitou a Nicarágua, com quem entabulou grandes negócios, como presidente em 2010. Sua declaração na ocasião soa hoje como uma ironia involuntária. “Nossa relação [com a Nicarágua] é parte integrante de um eixo latino-americano e caribenho, em franca expansão, que busca modelos de desenvolvimento progressistas, consistentes e sustentáveis. Queremos criar, em paz, oportunidades para todos, e não só para alguns.”
A repressão praticada pelo governo de esquerda a manifestações contra Ortega já deixou, desde 19 de abril, deste ano um saldo de 351 mortos, sendo 306 civis e 22 menores de 17 anos. Dados da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos apontam que 261 pessoas estão desaparecidas ou sequestradas.
A Nicarágua repete a tragédia vivida pela Venezuela onde um governo, que faliu por incompetência, que não consegue prover itens essenciais de consumo, se transforma em uma ditadura e responde com extrema violência aos protestos populares contra o desgoverno do país. Ortega mudou regras eleitorais (Legislativo e Judiciário se transformaram em anexos do Executivo) e promove perseguição a opositores e a imprensa livre, tal qual Maduro, na Venezuela.
Como na Venezuela, o governo usa, na repressão, além de forças regulares, paramilitares fortemente armados que atiram indiscriminadamente contra civis. Nem as igrejas são poupadas na fúria repressora. Dois estudantes foram baleados na cabeça e mortos dentro de uma igreja em Manágua.
Em alguns aspectos, o caso da Nicarágua, e sua revolução, lembra, a situação brasileira. A passagem do PT pelo governo do Brasil, era vista pelos mais alvoroçados como revolucionária. Deveria servir, por exemplo, para livrar nossa política da corrupção. O partido teria surgido para levar a ética a política.
Apenas 13 anos depois da eleição de Lula, o PT se transformou em sinônimo de corrupção e parte significativa das lideranças do partido, inclusive Lula, estão presos por enriquecimento ilícito.
Durante o ciclo do PT, empreendimentos internacionais com regimes esquerdistas amigos se multiplicaram. Inclusive com a Nicarágua, beneficiária de um empréstimo do BNDES de R$ 1 bilhão para a construção de uma hidrelétrica. A maioria desses projetos tinha como principal objetivo irrigar a contas bancárias com dinheiro de propina.
O colapso do petismo no Brasil com o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, a falência terminal do “socialismo do Século XXI” na Venezuela, a prisão do ex-presidente Rafael Corrêa no Equador, os estertores violentos de Ortega na Nicarágua, sinalizam para um fim ciclo. Vamos torcer para que os brasileiros sejam sábios na escolha de seus rumos.
*Ademar Traiano é deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa e vice-presidente do PSDB do Paraná